ANÁLISE DE DADOS
A Embrapa e o Melhoramento do Solo e da Soja
Em questionário aplicado a Gilvio Westin Consenza, profissional da área do cultivo de soja e estudioso do assunto, com o fim de analisar a atual produção de soja no Brasil e a sua importância no mercado internacional, considerando como a inovação tecnológica foi capaz de transformar uma área improdutiva na maior produtora de grãos do mundo, perguntou-se como a soja era cultivada, até os anos 70, no cerrado brasileiro.
Para Consenza, até a referida década, não havia cultivo de soja no cerrado brasileiro. A planta, originária da China, era cultivável somente em altas latitudes, devido à sensibilidade ao fotoperiodismo. Ou seja, para florescer, a planta necessitava de um determinado número de dias curtos, condição verificada, no Brasil, somente, nos Estados da Região Sul (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná). Além disso, a soja não se adaptava aos solos ácidos e pobres em nutrientes do cerrado.
Foi através da inovação tecnológica que se tornou possível o cultivo de soja no cerrado. É interessante ver que a área do cerrado era improdutiva e considerada infértil, e hoje em dia, graças ao melhoramento das técnicas de produção, é uma grande área exportadora, detentora de tecnologia de ponta.
Cerrado virgem, 1974 |
Foi através da inovação tecnológica que se tornou possível o cultivo de soja no cerrado. É interessante ver que a área do cerrado era improdutiva e considerada infértil, e hoje em dia, graças ao melhoramento das técnicas de produção, é uma grande área exportadora, detentora de tecnologia de ponta.
Plantação no Cerrado em 2010 |
Sobre o que mudou com as pesquisas iniciadas durante a Ditadura Militar, Consenza afirma que nos anos 70, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMPRAPA), órgão ligado ao Ministério de Agricultura, iniciou o desenvolvimento de linhas de pesquisa no sentido de, por meio de melhoramento genético, criar cultivares de soja mais rústicas e adaptadas a latitudes mais baixas, ao mesmo tempo, gerando tecnologias de manejo do solo, visando à construção do perfil químico adequado à cultura. Essas tecnologias propiciaram a incorporação de grandes áreas de cerrado ao processo produtivo. O aumento do preço da soja no mercado internacional foi a mola propulsora dessa estratégia.
A esse respeito, pode-se falar que uma cultivar altamente produtiva, representa uma combinação bem balanceada de genes. A expressão da produtividade é função das componentes genética e ambiental e da alteração entre ambas. Por causa da variação ambiental a produtividade é um caráter quantitativo que normalmente apresenta baixa herdabilidade – propriedade de influenciar genes pela variação do ambiente, dificultando a identificação dos genótipos. Para aumentar a variabilidade genética e permitir as recombinações gênicas são feitos hibridações na forma de cruzamento simples duplos e/ou múltiplos para formar as populações onde serão feitas as seleções.
Perguntado sobre de que maneira a correção do solo possibilita o cultivo da soja no cerrado, o respondente referiu-se aos pacotes tecnológicos desenvolvidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Segundo ele, tais pacotes incluem a aplicação racional de calcário ao solo, visando à redução da acidez e eliminação do alumínio tóxico presente nos solos do cerrado, bem como a aplicação de adubos fosfatados para suprir o solo com quantidades adequadas do nutriente fósforo.
Os pacotes tecnológicos desenvolvidos pela EMBRAPA consistem na aplicação de calcário ao solo para redução de acidez e eliminação de alumínio tóxico, e na aplicação de adubos fosfatados. A eficiência do calcário depende da área superficial de contato e do tempo de reação com o solo devido a baixa solubilidade, desta forma sua eficiência esta relacionada com a uniformidade de aplicação e incorporação do solo e com antecedência de aplicação em relação aos períodos de demanda das culturas. Com relação à forma de distribuição da adubação fosfatada as quantidades adequadas do nutriente fósforo devem estar próximo das raízes para poderem ser absorvidos pelas plantas.
Sobre as mais recentes pesquisas para o melhoramento genético da soja, Consenza cita que, assim como de outras culturas, o melhoramento genético é incessante e tem como objetivo a obtenção de características desejáveis, tais como adaptação da cultura a condições climáticas específicas, resistência a pragas (insetos, fungos, bactérias, vírus, plantas daninhas etc.), aumento da produtividade, dentre outras. Além da EMBRAPA, instituições estaduais, universidades e a iniciativa privada realizam pesquisas visando ao melhoramento genético da soja.
Veja-se que para o melhoramento genético da soja, visam desde o desenvolvimento das populações, processos de seleção e avaliações das linhagens.
Na primeira fase, através das hibridações artificiais são desenvolvidas as populações segregantes. Na segunda fase, as populações segregadas são guiadas por várias gerações para obter homozigose genética (uniformidade dos genes). Na terceira fase, através da população em um grau mais avançado, são selecionadas as plantas com características agronômicas desejáveis. E, na última fase, é avaliada a produtividade e estabilidade da geração em grande escala.
Na seleção de genótipos superiores é necessário utilizar ensaio de avaliação para reconhecer se há interação do genótipo com o ambiente onde está sendo cultivado e a possível produtividade e estabilidade.
Quando perguntado sobre auxílios do Governo e da Embrapa aos produtores de soja, Consenza afirma que o subsídio governamental à produção de soja ocorre na forma de pesquisa, extensão e linhas de crédito para investimento e custeio, além de seguro agrícola, que vem sendo ampliado nos últimos anos.
De fato, hoje temos vários programas que ajudam e facilitam o plantio de soja no Brasil, um exemplo é o programa Soja Livre criado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja), Associação Brasileira de Produtores de Grãos não geneticamente Modificados (Abrange). Esta ação tem como objetivo melhorar a comercialização e o cultivo de soja convencional no mercado, por ter melhores preços no mercado nacional e internacional.
Enfim, quando se quis saber de que forma a tecnologia e as inovações tecnológicas mudaram e continuam mudando a produção da soja no cerrado, o respondente afirma categórico que sem as inovações tecnológicas alcançadas pela pesquisa, não seria possível o cultivo de soja no cerrado brasileiro, nem de outras culturas como milho, sorgo e trigo. Entretanto, não faz referência a nenhum gênero de equipamento, por exemplo.
Segundo Consenza, a pesquisa tem buscado, cada vez mais, o aumento de produtividade agrícola, o que leva a ganhos expressivos, tornando a soja brasileira extremamente competitiva, a despeito dos subsídios e barreiras impostas pelos países importadores. Considerando ainda que restam, hoje, menos de 20% da vegetação nativa do cerrado, grande parte localizada em áreas de preservação permanente ou reservas legais, o aumento da produtividade torna-se fundamental para manter o cultivo da soja competitivo.
Nesses aspectos, as exportações brasileiras de soja em grão vêm batendo recordes ano após ano, registrando um média geométrica de crescimento de 16% no período de 1995 a 2009 (como pode ser analisado na tabela abaixo), só em dois mil e nove o Brasil exportou 28.563 tonelada/grão, sendo que, desse total, o Mato Grosso, localizado no coração do cerrado brasileiro, foi grande responsável pelo crescimento das exportações brasileiras, representando, sozinho 30% de toda a exportação de soja nacional.
De acordo com estudos econômicos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o crescimento da produção de soja nos últimos 38 anos na região do cerrado, em comparação às outras regiões produtoras do país, cresceu muito mais. Considerando-se a produção média dos anos 1970, em relação à produção de 2008, observa-se que a produção da região sul, por exemplo, cresceu apenas 3 vezes (7,3 milhoes de toneladas para 22,1 milhoes de toneladas), enquanto no cerrado, essa produção cresceu 76 vezes (500 toneladas para 37,8 milhões de toneladas).
Figura 1- Evolução da Produção de Soja no Brasil.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAU, 2009) o Brasil é o segundo maior produtor e exportador no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, em terceiro lugar vem a Argentina. Juntos, esses três países são responsáveis por 85% de todas as exportações mundiais de soja. Em contra partida dessa elevação na produção, não temos investimentos suficientes em infra-estrutura para fazer frente ao crescimento gradativo da produção apresentados pelo Brasil no período analisado, um exemplo disso, é a longa distancia (2.000 km) entre, algumas regiões do estado do Mato Grosso até os principais portos do Brasil (Paranaguá, Santos e Rio Grande esses são responsáveis por quase 80% das exportações), que são percorridas por caminhões, gerando um custo de frete de 29% a 34% do preço recebido pelo produto. Nesses aspectos o modal de transportes mais utilizado no Brasil é o rodoviário (67%), muito mais caro do que o ferroviário e, mais ainda que o hidroviário. O papel do modal rodoviário deveria ser o de atuar nas “pontas”, levando os produtos nos terminais ferroviários e/ou hidroviários, esses respondem por apenas 28% e 5% respectivamente, do total da soja transportada no país. Paralelamente, os EUA transportam 61% da sua produção por hidrovias e apenas 23% por transportes rodoviários. Na Argentina o escoamento se da através de rodovias, correspondendo a 80%, porém, as distâncias percorridas são pequenas (250 a 300 km) quando comparadas ao Brasil (900 a 1.000 km), sendo assim fica evidente que a deficiência no setor logístico, causa uma elevação no custo no produto da soja, consequentemente diminui a competitividade da soja a ser exportada, além de ser um grande entrave à continuidade da expansão da cultura da soja no Brasil, segundo EMBRAPA no estudo sobre complexo agroindustrial da soja brasileira (2007, p. 09).
de 1995 a 2009 (em toneladas)
Ano | Exportações de soja em grão |
1995 | 3.495 |
1996 | 3.647 |
1997 | 8.339 |
1998 | 9.274 |
1999 | 8.917 |
2000 | 11.517 |
2001 | 15.675 |
2002 | 15.970 |
2003 | 19.890 |
2004 | 19.247 |
2005 | 22.435 |
2006 | 24.957 |
2007 | 23.733 |
2008 | 24.499 |
2009 | 28.563 |
FONTE: elaborada pelos autores. |
Esse crescimento gradativo das exportações é explicado tanto pelo crescimento da oferta, com pelo aprimoramento das técnicas de manejo, inovações teológicas. Dentro da lógica do mercado, é importante analisarmos o aumento da demanda, proporcionada pela desvalorização do câmbio em 1999, conforme pesquisa de Coronel Et Al(2008), e o crescimento econômico e populacional da gigante asiática China, maior consumidora global dessa commoditie. No âmbito político, houve aprovação da lei Kandir, que desonerou as exportações de produtos in natura do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), dando maior competitividade à soja brasileira.
4.2 A Utilização de Soja
4.2 A Utilização de Soja
Em novo instrumento de coleta de dados, foi realizada uma sondagem sobre a utilização de soja pelas pessoas, realizada por amostragem, em vários pontos da cidade, em 21 de março de 2011, a fim de saber qual é o uso e importância da soja no cotidiano das pessoas.
Sobre com qual frequência se utilizava a soja, ou derivados, na dieta, 22% responderam “todos os dias”. Outros 22% responderam “entre 4 e 6 vezes por semana” e a grande maioria - 56% - responderam “menos de 3 vezes por semana”, conforme se confirma no gráfico abaixo:
É possível, então, perceber que a despeito da enorme produção de soja feita no Brasil, o brasileiro pouco faz uso desse grão. Isso é mais um indicativo do caráter internacional da soja brasileira, que é produzida, em grande parte, para o mercado externo.
A respeito da importância dada a produtos feitos à base de soja no dia-a-dia dos respondentes, 22% responderam “muito importante”, 40% responderam “medianamente importante” e 38% acreditam ser “pouco importante”. Veja-se, a seguir:
Percebe-se, dessa forma, que além de não utilizar a soja em larga escala, o brasileiro também não a vê como fundamental em sua rotina, o que, mais uma vez, vem confirmar a hipótese da produção de soja unicamente para a exportação.
Quanto à quantidade de produtos à base de soja que são conhecidos (cf.: gráfico número 4), 12% afirmam conhecer mais de 10 produtos. 36% responderam conhecer entre 6 e 9 produtos e a grande maioria - 52% - diz conhecer 5 produtos ou ainda menos.
Diante disso, percebe-se, mais uma vez, que o brasileiro não conhece grande quantidade de produtos à base de soja, provavelmente pela pouca utilização desse produto na rotina dos entrevistados.
22% responderam conhecer a utilização da soja em cosméticos, contra 78% que responderam “não” conhecer tal aplicação, conforme se vê abaixo:
Mais uma vez, fica evidente o pouco interesse do brasileiro pela soja. Nesse caso, entretanto, é provável que muitos dos entrevistados façam uso de produtos à base de soja e não tenham conhecimento disso.
Ainda, sobre a utilização de produtos cosméticos que fazem uso da soja, dos 22% que afirmaram conhecer tal utilização, 54,5% deles afirmam usar determinados produtos, de acordo com o gráfico número 5, como esfoliantes, produtos que protegem o organismo contra o envelhecimento, produtos que ajudam no ganho de massa magra corporal, hidratantes para pele ou cremes corporais contra envelhecimento cutâneo. Os demais, 45,5%, responderam que não fazem uso de produtos cosméticos à base de soja, mas que conhecem a utilização dela nesses produtos.
4.3 Impacto Sociológico da Produção de Soja no Cerrado
É certo que uma produção tão grande e importante, como é a soja no cerrado, tenha consequências impactantes na sociedade: boas e ruins. Pelo grande número de pessoas e pela grande área cultivada de soja, é de se esperar que ela seja responsável por grande parte da cultura e da vida da população do cerrado.
Um dos reflexos dessa produção, justamente por ser extremamente mecanizada e altamente exigente de mão-de-obra capaz, foi a mudança do perfil do trabalhador do campo na região. Não há, na produção de soja na região, espaço para pequenos agricultores e camponeses. A soja é produto, fundamentalmente, de latifúndios enormes, propriedade de indivíduos abastados. Dessa forma, ela é responsável por grande desigualdade social, visto que poucas pessoas detêm recursos, enquanto uma grande massa, a nada tem acesso.
A soja é, também, responsável pela mudança demográfica da região. Por ser mecanizada e altamente exigente, expulsou os pequenos produtores e os camponeses para outras partes do país. O cerrado estava (e ainda está) sendo tomado pelos grandes produtores. Se a soja expulsou os pequenos da região, ela trouxe, por outro lado, uma gama de novas pessoas e abriu muitas oportunidades. Prestadores de serviço de todo o país, como médicos, revendedores de carros, engenheiros, agrônomos, veterinários, entre outros, mudaram-se para a área do cerrado para explorar um nicho até então parco e pouco explorado.
Outro aspecto importante da produção de soja é a força política dos grandes produtores. Muitos deles financiam campanhas políticas em todas as esferas e, com isso, ganham favores dos políticos eleitos. Muitas vezes, inclusive, é feita “vista grossa” aos danos ambientais causados por essa produção, justamente porque não há interesse político em dar prejuízo aos grandes produtores de soja.